Vós que me conheceis, sabeis bem quão grande é meu apreço pela cultura e produções brasileiras, principalmente a do povo nordestino, vulgo paraíbas; visto que se por minha vontade fosse, essas, extinguir-se-iam sem que lhes fossem sentida qualquer falta. Sabeis, também, que ser algum a humildade com a minha poderia comparar e que mesmo no auge de meus erros (se é que existem) não os poderia eu admitir. Portanto, não digo que errei, não o faço, entretanto encontrei, ou melhor, mostraram-me uma excessão à essa opinião que ora os fiz conhecer, se é que não tinham ciência de tal fato. Para que meu ego não se fira ainda mais digo-vos, para que saibais que não me arrependo, que esse a qual apresentar-vos-ei foi influenciado pelo grande Baudelaire; e esse era um dos maiores seguidores do mestre, como sabeis. Então, não importando, realmente onde, desafortunadamente, ele nasceu o importante é que qualidades de influências não lhe faltou.
De quem falo? Ninguém menos que Augusto dos Anjos, paraibano (1884-1914). Gostei, sim de sua obra. E para que o conheceis, segue, pois dois de seus poemas, os que mais gostei, visto que ainda não li nem pequena parte do que escreveu.
A Idéia
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
tísica, tênue, mínima, raquítica...
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
Nomolambo da língua paralítica!
Eis o outro...
O Morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
---
Veis agora o que digo!
Embora eu lhes diga, ainda crendo no que no começo deste vos disse. Eis aí uma excessão.
